24.10.23

a profundíssima tristeza da polícia ortográfica

quando as pessoas à nossa volta
começam todas a dar o mesmo erro 

d   e   v   a   g   a   r 

tão devagar que a princípio pensamos ter ouvido mal
e por fim o erro já está em todo o lado 
então perguntamos 
por que é que dizes se eu ver, aviso-te
quando correto é dizer se eu vir, aviso-te? 
e uma a uma cada pessoa responde 
como se tivesse ensaiado com as outras

como se estivessem estado escondidas a combinar
atrás do muro da escola de ser estúpido 
lá ao fundo 

vir é do verbo vir
ver é que é do verbo ver 

é que é

e nós 
com profundíssima tristeza 
sim, mas não 

oui, mais non

vir é o futuro do conjuntivo do verbo ver
o futuro do conjuntivo do verbo vir é vier 
e respondem-nos distraidamente 
ah, sim? 

sobrevém um resto de amor-próprio em forma de melindre
o tom de voz muda para ofendido quando acrescentam 

tu também não pões maiúsculas nos poemas 
não sabes, é?

3.7.18


“Every time a banker is discovered dead in his tub, his throat slit, after a drug-fueled spree with a stranger he met on thatpage.com, an angel gets its wings and a demon gets an erection.”
Pat Dixon
NYC crime report podcast - 24 de novembro de 2014

7.9.16

os beatos

os beatos têm sempre um sorriso bondoso
que sorriem da mesma forma para o mais perfeito desconhecido
para a família e para os amigos
próximos e distantes.

é um sorriso que brilha no esmalte dos dentes muito brancos
(os beatos não descuram as idas ao dentista
porque os beatos gostam de ficar bem nos retratos).

os beatos desejam bem a todas as pessoas:
o bem de deus, por isso não gastam o seu.

os beatos têm a certeza
e olhos de ter a certeza
e um sorriso certo, que não vacila,
que não começa a começar nem a acabar:
um sorriso que se acende e se apaga
num instante
eficientemente
como todos os electrodomésticos.

11.3.15

Mistérios do mundo #2

leio que o decreto-lei n.º 50/2014 estabelece o regime jurídico aplicável ao licenciamento das estações radioelétricas instaladas a bordo de aeronaves e lembro-me das pessoas que usam bonés com hélices do José Carlos Fernandes.

e penso, com tristeza, que ninguém nunca criou um blog chamado biblioteca de alterne.

3.3.15

Mistérios do mundo #1

Quem é que gosta de azeitonas oxidadas? 

23.1.15

Fink - Sort of Revolution

1.3.12

passou por aqui há bocado a memória da tua pele

passou por aqui há bocado a memória da tua pele:
enorme – do tempo em que os animais se moviam como a lama e a lava

não a vi chegar

podia ter tido o bom gosto 
de me aparecer primeiro nos dedos depois
nas palmas abertas das mãos
na língua, nos dentes, na saliva

apareceu-me no olfato:
já não consegui evitá-la

(não que faça questão)

esteve aqui a memória da tua pele
agora mesmo, acabou de passar

o ar está pesado

eu estou à porta de casa
a apanhar partes espalhadas de mim
– aqui um braço, ali alguns dedos –
a encaixá-las umas nas outras para que voltem
a funcionar e a parecer-se comigo

mas as mãos tremem-me e há sons dentro de mim
que não me deixam concentrar

e fico só a pensar que ainda bem que não é todos os dias
que a memória da tua pele passa assim e se demora
e que preciso decidir se quero ou não reaprender a respirar.

tralha

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