1.3.12

passou por aqui há bocado a memória da tua pele

passou por aqui há bocado a memória da tua pele:
enorme – do tempo em que os animais se moviam como a lama e a lava

não a vi chegar

podia ter tido o bom gosto 
de me aparecer primeiro nos dedos depois
nas palmas abertas das mãos
na língua, nos dentes, na saliva

apareceu-me no olfato:
já não consegui evitá-la

(não que faça questão)

esteve aqui a memória da tua pele
agora mesmo, acabou de passar

o ar está pesado

eu estou à porta de casa
a apanhar partes espalhadas de mim
– aqui um braço, ali alguns dedos –
a encaixá-las umas nas outras para que voltem
a funcionar e a parecer-se comigo

mas as mãos tremem-me e há sons dentro de mim
que não me deixam concentrar

e fico só a pensar que ainda bem que não é todos os dias
que a memória da tua pele passa assim e se demora
e que preciso decidir se quero ou não reaprender a respirar.

tralha

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