18.2.05

E agora?

Hoje reuni os quarto volumes da Pior Banda do Mundo. Estou a ler o último (para mim, o n.º 2, que era o que não conseguia encontrar). Ainda tenho muitas histórias para ler e estes livros permitem todas as releituras. Todavia, não consigo evitar começar a sentir-me angustiada. Que farei quando este se acabar? Procurar os outros livros todos de José Carlos Fernandes: sim. Mas não é bem a mesma coisa, não é bem a mesma coisa. Gosto destes desenhos. E reler também não é nunca como a primeira leitura.

Este livro – O Museu Nacional do Acessório e do Irrelevante – conta, por exemplo, a história de um tipo que regista a forma das nuvens no céu e de um arquivo que contém décadas e décadas desses registos. Cada dia, um arquivador e dentro do arquivador a descrição das nuvens desse dia. Uma cave com corredores e corredores cheios disto. A possibilidade de reconstruir ao pormenor o céu de um dia específico. Mas quem é que quer fazê-lo?

É necessário dizer que qualquer um destes livros – O Quiosque da Utopia, As Ruínas de Babel e A Grande Enciclopédia do Conhecimento Obsoleto – tem histórias que podiam pertencer a um dos outros, embora cada um se aproxime mais do seu próprio... hm... do seu próprio swing (sim!). O que é comum é a inutilidade – numa perspectiva utilitarista, mas também muito do senso comum – das coisas que geram as histórias.

Um pouco como gostar muito das árvores e sentirmo-nos miseráveis durante os incêndios porque gostamos delas, são criaturas vivas, estão a morrer e é injusto. Isto diz-se pouco. Diz-se em família. Vai-se dizendo entre alguns amigos, com muita muita sorte nos amigos que encontramos. Mas se o dissermos sem olhar a quem está o mais certo é que nos devolvam o clássico chorrilho indignado, que implicitamente nos arruma entre as pessoas más e insensíveis (snif): «E as pessoas, não tens pena das pessoas que ficaram sem casa? E os negócios perdidos? E o dinheiro perdido? E os que morreram?». Como se uma coisa excluísse as outras. Como se as árvores não nascessem e não respirassem e não pertencessem ao mundo. A perspectiva utilitarista diz: «O que não serve um fim não vale nada», diz «Só se eu tiver um negócio de madeira os incêndios são uma tragédia», estabelece uma hierarquia do prazer e da dor, uma hierarquia dos afectos e, não só exclui tudo o resto, como censura a inclusão do resto.

No resto está o infinito.

Ainda há poucos anos eu tinha um passatempo, que irritava a minha família (Ora bolas, filha, que coisa tão lunática...), que consistia em fechar os olhos dentro de um carro que me transportasse, tapar os ouvidos e destapá-los, abrindo os olhos, daí a uns minutos. Conseguia com isto perder o Norte. Em cada momento tenho consciência de onde está cada ponto cardeal, onde está o rio, onde está o mar, tudo. O dom é útil :) Às vezes, porém, é chato, porque faz os espaços parecerem sempre iguais ou, no caso dos novos, eu delineá-los mentalmente depressa demais. Se eu perder o Norte, quando abrir os olhos confundirei, por exemplo, o Sudeste com o Noroeste, estranharei os ângulos da luz do sol e da sombra numa determinada hora, terei uma percepção completamente diferente de uma montanha que conheço desde sempre (como quando regressamos de uma viagem).

E para que serve perder o Norte? Mais: não será um jogo perigoso? Não estarei eu a pôr em risco a minha tão preciosa faculdade de orientação? «O que tu merecias era perder mesmo o sentido de orientação...! Dá deus nozes...!» (esta nunca me disseram mas curto muito as especulações-praga de inspiração judaico-cristã :))

Oh well. Acho que já deu para perceber que o que é mesmo bom na Pior Banda do Mundo (além do português do melhorio) é aquele swing todo que eles produzem e que não serve para nada. E eu vou, obviamente, esperar ansiosamente os prometidos nºs 5 e 6. Para dizer a verdade, já estou ansiosa.

Agora vou ali ser útil à sociedade em vez de estar para aqui a falar de livros.

Saudações em sépia aos quadradinhos :)

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