5.8.05

Templo

Entre as coisas mais antigas que recordo está o cheiro dos pinheiros. A resina cheira na floresta de uma maneira, junto à árvore de que escorre intensifica-se, e nos dedos tem também o cheiro da pele. No início da manhã é ácida e contida, como um canto alto ou o som de um violino. No calor do meio-dia é grave e larga, enche tudo. As agulhas, os troncos, as pinhas. O céu cheio de agulhas. A minha infância foi grande e feliz mas se quiser desenvolver, se quiser especificar, apontar, dizer onde, lembro-me do cheiro dos pinheiros, do sol filtrado a aparecer e a desaparecer na areia coberta de agulhas. Lá dentro estão todas as outras coisas. Um fio de cabelo da minha mãe e uma canção. O colo do meu pai. As noites grandes junto ao mar. O riso de menino do meu avô. Os caminhos romanos, uma bicicleta, uma figueira grande, girassóis mais altos do que eu, morangos, canais de rega, o eco da água dentro do poço. Não existe um fim para este desenrolar de imagens. Só o cheiro dos pinheiros no princípio.

Lisboa está coberta por um fumo que eu conheço. Em abstracto, acreditaria que o cheiro dos incêndios é sempre igualmente aflitivo e mais e mais triste com a repetição. Não é. Ardem pinheiros: sei que sim sem pensar, sem que mo digam, da mesma forma que sei que tenho olhos, braços, pés, um corpo capaz de formar gestos. Compreendo assim, sem que nada o fizesse prever e da pior maneira possível, o que é um templo.

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