Inabitável, a terra áspera
Ando cativa do deserto do Namib. Vi uma fotografia de Eric Robert, acho que aérea, mas tirada a uma altitude relativamente baixa, numa Grande Reportagem de 1992. A fotografia – inserida numa reportagem de várias páginas sobre a febre dos diamantes na Namíbia, no início do século XX, e as aventuras dos exploradores no deserto – mostra uma vasta extensão de dunas e depois, de repente, o mar. Quando, no início do mês, reorganizei a biblioteca, dei-me ao trabalho de reler os índices de 12 anos de GRs em busca de reportagens sobre o Saara; entretanto, acabei por pôr também de lado as revistas que versavam sobre outros desertos e na rede, ou melhor, na peneira ficou a Namíbia. Li a reportagem, deixei-me olhar para a fotografia o tempo que me apeteceu, li a caixa sobre a Costa do Esqueletos, vi outra vez a fotografia e fechei a revista. Fui ler outros números, passaram-se dias, passou-se, em rigor, um mês inteiro, o monte de GRs antigas e arenosas ficou em sossego, abri livros outra vez citadinos, outra vez com paredes, compreendi que regressarei inevitavelmente ao Saara, pensei que preciso regressar a Cuba, oscilei entre esses e mais meia dúzia de destinos, fui feliz na indecisão e na distância, esqueci-me depois do que estava longe, até que, há três ou quatro dias, ao adormecer, comecei a lembrar-me, sem querer, da fotografia do deserto do Namib. Ser-se perseguido por uma fotografia é um estado de graça num tempo em que há milhões de fotografias à disposição a cada instante, por isso, quando voltei a abrir a revista para tentar perceber porque razão a imagem se tem insinuado, senti que aquele era um gesto de sorte. A fotografia oprime-me e, todavia, acho que nunca vi nada tão desejável. E o que mais me incomoda e o que mais me seduz, compreendi-o ao fim de um bom bocado a olhá-la, não se vê: entre o mar e o deserto não existe uma faixa de areia que me faça pensar ou reconhecer ou imaginar uma praia.
A Terra é um lugar estranho, é um lugar tão estranho como um planeta qualquer a trezentos mil anos-luz de distância. Gostaria de me lembrar disto mais vezes.
A Terra é um lugar estranho, é um lugar tão estranho como um planeta qualquer a trezentos mil anos-luz de distância. Gostaria de me lembrar disto mais vezes.