25.8.05

Da reversibilidade do mundo

Quando fiz fotojornalismo e cor fotográfica passei tanto tempo a inverter que, por fim, fiquei com o raciocínio viciado. Na mesma altura li Dostoievski, Nietzsche e Camus. Podia ter sido a minha fase intelectual fashion (embora sem óculos de massa, drogas – hoje, coca-cola – ou mau aspecto), não fosse o facto de ter chegado a essa literatura pela mão de acontecimentos trágicos, de forma alguma interiores e ou imaginados, e te ter ido parar à fotografia após uma overdose de teorização jurídica longa e pesada, no fim da qual achei que corria o risco de começar a dar milho aos pombos (e a jogar dominó e a rezar e a fazer sapateado em lugares públicos) se, com urgência máxima, não aprendesse uma qualquer arte ou técnica que me pusesse em contacto com coisas de facto relevantes, como as árvores, as formigas e as saladas mistas. Acompanhavam-me frequentemente, então, questões metafísicas das quais estava dependente a reconquista do meu ânimo (ou assim pensava), e nas quais, dada ocorrência simultânea da tragédia e da aprendizagem da fotografia, só conseguia pensar invertendo os factores. Agora, dificilmente o faço, mas lembro-me de viver permanentemente no espectro das coisas, como se só através da minha vontade, e com muito esforço, a luz ocorresse e, com ela, o mundo. Não o faria agora, dizia, porque se assemelha à loucura e não sei como chegar lá. Mas reconheço bem o balanço imediatamente anterior. Este livro do Zamiatine tem-me lá, nesse limite. Porque nele não se pensam a natureza e a condição humanas como coisas inevitáveis. Pensa-se como, a partir do conhecimento dos efeitos do comportamento humano, a natureza pode ser controlada e a condição humana reconstruída, de forma a gerar uma existência diametralmente oposta. Não há liberdade sem crime, diz D-503. Anulada a liberdade, anula-se o crime, conclui.

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